Atelier de Artes Plásticas para adultos
O trabalho com o fazer artístico das crianças nas experiências de trabalho no Grupo da Praça <link>, no Ginásio Israelita <link> e na Escolinha de Arte do Brasil <link> levou a questionamentos sobre o fazer artístico de jovens e adultos.
Na época eu me perguntava:
– se aquilo que parecia uma atitude espontânea na criança pré-escolar poderia ser sistematizado e desenvolvido com os adultos;
– se os adultos poderiam recuperar atitudes que já haviam tido na infância;
– se isso auxiliaria no desenvolvimento de suas formas pessoais de expressão;
– se esse processo ajudaria os professores a repensar a relação entre o trabalho da criança e a arte.
Essas questões geraram o desejo de experimentar com alunos adultos, professores e não professores, a mesma abordagem adotada na Escolinha de Arte <link> com as crianças, valorizando as atitudes de brincar, experimentar, estar atento ao trabalho, refletir sobre o que foi feito, alimentar-se do próprio fazer artístico.
Assim nascia, com Maria Luiza Saddi, também professora da Escolinha, o projeto Atelier de Artes Plásticas para Adultos, aberto ao público.
A experiência Atelier de Artes Plásticas para Adultos desenvolveu-se inicialmente na Escolinha de Arte do Brasil (1976 a 1978) e depois na Armação Oficina de Arte (1979 a 1983).
Uma amostra do desenvolvimento do projeto de um único aluno
Era proposta do atelier que os alunos desenvolvessem seus próprios projetos, o que ao final se materializou numa diversidade criativa e numa evolução pessoal significativa, como mostram os trabalhos abaixo.








A proposta
A proposta para o Atelier tinha como pressupostos promover questões, intenções e práticas diferentes no trabalho de arte dos alunos. Pretendia evitar a uniformização no uso da linguagem visual, enfatizando as diferenças individuais.
Duas diretrizes foram propostas como coordenadas gerais:
– a procura de formas pessoais de expressão plástica por cada aluno,
– a orientação e acompanhamento do aluno feita por diferentes professores com diferentes visões de arte.
Os objetivos
Os objetivos específicos do Atelier eram:
– desenvolvimento da linguagem pessoal – este objetivo referia-se à intenção de trabalhar com os sentidos e práticas diferentes entre si trazidos por cada aluno, permitindo seu desenvolvimento por caminhos diversos;
– uso de recursos técnicos e de materiais na medida da necessidade de cada um – as técnicas não deveriam ser ensinadas por si só, mas a serviço das intenções e das ideias de cada aluno;
– desenvolvimento de um processo automotivador: este objetivo apoiava-se no pressuposto de que o estabelecimento de um processo de criação em arte implica a existência de um universo pessoal (conceitual e formal) e a seleção entre as diferentes possibilidades de expressão. Em sua interação, estes aspectos deviam propor questões e gerar soluções intrínsecas ao próprio trabalho.
A metodologia
Os aspectos principais da metodologia adotada eram:
– revezamento dos professores – o atelier funcionava sob a orientação de uma equipe de professores (quatro professores no período de 1976 a 1978 e dois professores no período de 1979 a 1983) que se revezavam no acompanhamento dos alunos; estes professores, escolhidos por suas diferentes formações, deveriam possibilitar o contato com visões e práticas de arte diversas, favorecendo a independência do aluno;
– “revisão do cotidiano” – na sua primeira etapa o Atelier tinha como proposta a “revisão do cotidiano” do aluno através de continuada observação do seu meio e de registro em um caderninho de anotações; estas anotações, desenhos, escritos, colagens, iam gradativamente constituindo o repertório particular de cada aluno;
– avaliação – periodicamente era feita uma revisão das pastas de trabalhos, incluindo todos os trabalhos, esboços e anotações de cada aluno, que eram analisados e comentados pelo grupo de alunos e professores;
técnicas e materiais – o uso dos materiais era relacionado à visão adotada sobre as técnicas.
Nas avaliações fazia-se uma reflexão sobre as descobertas, as continuidades, as mudanças, os aspectos técnicos, procurando entender o trabalho de acordo com o referencial e as intenções de cada aluno.
Regularmente discutia-se também a dinâmica do próprio Atelier, que era reformulada, quando necessário.
Com as avaliações, programavam-se trabalhos em grupo, discussões de textos, visitas a exposições, encontros com artistas.
Além disso, a orientação dos professores propunha a experimentação, valorizando as descobertas, a reflexão e a opção de meios expressivos, como aspectos fundamentais ao processo de desenvolvimento em arte, sempre em relação às intenções de quem faz.
Uma experiência rica
O Atelier, durou vários anos e passou por momentos diferentes, principalmente em função dos professores que nele trabalharam. Manteve sempre, no entanto, seus objetivos e suas características principais.
Em alguns períodos a produção foi mais intensa, em outros, mais regular e equilibrada. Alguns grupos de professores trabalhavam harmonicamente, outros discutiam acaloradamente métodos e objetivos.
Foi uma experiência rica e estimulante para os participantes, exigindo dos professores sempre uma atitude de prontidão, atenção permanente aos trabalhos dos alunos, ao que se passava nas artes plásticas e às suas próprias formulações sobre arte, sempre confrontadas com as visões dos outros professores.
Toda essa experiência demandava também grande flexibilidade para conviver com as diferenças e para responder à estrutura flexível do Atelier. Dos alunos solicitava um grande envolvimento e esforço para encontrar seu próprio caminho. Era difícil, tanto para professores como para alunos, uma neutralidade. Ou se envolviam intensamente ou discordavam e saíam do grupo.
Projeto de um outro aluno, observando e registrando cercas construídas nas áreas rurais próximas ao Rio de Janeiro









A análise de uma experiência
Em novembro de 1980 foi realizada a pesquisa sobre o Atelier Análise de uma experiência: Atelier de Artes Plásticas para Adultos, MEC/Armação <link>. Nesta foram entrevistados 49 alunos e todos os professores envolvidos no processo de 1976 a 1980. A intenção da pesquisa era determinar a eficácia do atelier enquanto proposta e metodologia.
Os alunos e ex-alunos entrevistados consideraram muito importante para seu desenvolvimento em artes plásticas os seguintes aspectos:
– o acompanhamento individual,
– o sistema de avaliação,
– a atitude não-diretiva dos professores,
– a ênfase na experimentação,
– a valorização da visão estética do aluno.
Os alunos referiram-se ao processo de avaliação destacando comportamentos característicos tais como “respeito, seriedade, atenção, crítica não-valorativa”. Na percepção dos alunos, a avaliação levava a “compreender o próprio processo, perceber como o grupo vê o trabalho, permitir a condução do próprio processo, detectando as situações de dificuldades e as soluções para o trabalho”.
A visão de arte adotada pelo Atelier foi definida por eles como “não-convencional, relacionada à vida, ao cotidiano, resultado de um trabalho, de um processo contínuo, ampliando as referências críticas, levando a um entendimento dos meios expressivos e fornecendo uma visão específica do ensino da arte”.
Segundo a maioria dos alunos, o Atelier contribuiu para o seu desenvolvimento, fornecendo uma visão de arte que transforma e questiona os modelos estabelecidos.
Nos depoimentos dos alunos aparece uma percepção da proposta do Atelier como uma oposição à arte já formalizada.
Um aspecto importante para os alunos foi a valorização do fazer do indivíduo em arte, a ideia da expressão individual. No entanto, não se trata da expressão como uma descarga de subjetividade. Os alunos enfatizam a construção da subjetividade através do fazer, ligada à ideia de trabalho, de processo.
A maioria dos alunos entrevistados considerou que a metodologia do Atelier contribuiu efetivamente para cada um dar continuidade ao seu próprio trabalho, durante o período de curso e após, nos trabalhos que cada um passou a desenvolver individualmente.
Os alunos consideraram também que houve o estabelecimento de uma disciplina de trabalho e uma ampliação significativa na seleção dos meios expressivos.
Para Lívia, uma das alunas, o Atelier é identificado a uma arte onde é possível
“concretizar significados, ideias e brincar com eles, destruir relações estabelecidas e construir novas relações, juntar partes iguais e inesperadas, oferecer novas possibilidades de conjugações, ironizar, brincar, experimentar, rir, transpor alguns limites, confundir, se divertir, pensar sobre as coisas em geral e em particular, produzir linguagens não-convencionais, não normalmente faladas, falar.”
Uma arte aberta
O trabalho realizado no Atelier configurou com mais clareza a concepção de arte que interessava à equipe da Armação Oficinas de Arte desenvolver e sobre a qual desejava apoiar seu trabalho pedagógico.
Essa concepção era de a uma arte aberta, caracterizada pelo questionamento e transformação dos modelos estabelecidos; um ensino da arte que valoriza o fazer e o pensar como aspectos de um mesmo processo, que propõe a invenção como estabelecimento de novas relações e que objetiva produzir novos objetos e novos conceitos.
De fato, procurava-se não usar um modelo, uma estética, mas estar aberto para a diversidade, para diferentes estéticas.
O trabalho do Atelier esclareceu e sistematizou determinados aspectos metodológicos que a equipe considerava importantes tanto no trabalho com o adulto como com a criança, tais como o caderno de anotações, a pasta de trabalhos e as avaliações.
Estes aspectos operavam a partir de concepções sobre o processo de trabalho, implicando em continuidade e reflexão. A continuidade vista como observação das emergências, de descobertas no próprio trabalho, e a reflexão como construção de relações entre os dados colhidos na experiência, que auxiliam a compreensão das propostas e práticas de cada um.
O aprendizado ao longo desse período foi fundamental para as novas experiências profissionais que desenvolvi, no Centro Cultural de São Paulo <link>.
<link para ler> Subsídios para a renovação e ampliação do ensino das artes visuais <link>. Análise de uma experiência: Atelier de Artes Plásticas para Adultos, MEC/Armação, mimeografado, 1981.