Trabalhar contemporaneamente o ensino, direcionado ao fazer artístico, é trabalhar sobre as referências da arte contemporânea, isto é, criar um espaço temporariamente fora das definições e conceitos já estabelecidos.
O que já está codificado no campo do saber da arte será sempre levado em consideração, tanto de forma direta em relação a técnicas e utilização de materiais como indiretamente no questionamento dos conceitos dos quais os indivíduos estão impregnados, tais como o próprio conceito do que é arte, do que é belo e outros.
Usar a arte que está em processo
Usar a arte contemporânea como referência para o ensino quer dizer usar a arte que está em processo, estruturando-se enquanto corpo de conhecimento simultaneamente ao estruturar-se da vida dos alunos. Tudo isso propicia a possibilidade de pensar novas relações e inventar novas configurações.
A convivência simultânea de vários pensamentos e movimentos de arte oferece não oferece modelos, mas sim o paradigma do próprio processo do fazer. Sempre carregando e transformando as formas passadas, a arte contemporânea é o próprio devir, estabelecendo continuamente novos sentidos.
Umberto Eco, falando sobre a arte do século XX:
“A arte não fez mais que respeitar o ritmo que a ciência marcou ao nosso modo de estar no mundo; não pôde esperar que o próprio público se habituasse a uma solução para lhe propor a seguinte, porque na verdade o que importava era habituar o público a não adquirir hábitos, a habituar-se à sucessão, a nunca descansar sobre um modelo estabelecido.”
Umberto Eco. A definição da arte. Lisboa: Edições 70, 1972. p. 213
Para ele o homem do século XX deve:
“(…) habituar-se a não se habituar, deve ver na mudança, na revisão dos esquemas, na dinâmica de uma reproposta contínua dos modos de estar no mundo e de ver o mundo, a nossa condição normal e privilegiada.”
Umberto Eco. A definição da arte. Lisboa: Edições 70, 1972. p. 214
Função pedagógica da arte contemporânea
A arte contemporânea, nesse sentido, exerce uma função pedagógica habituando o olho e o pensamento do homem a uma sucessão ininterrupta de outras visualidades.
“(…) a arte, no século XX, tinha que tentar propor ao homem a visão de mais formas ao mesmo tempo e num devir contínuo, porque esta era a condição à qual estava submetida, cada vez mais submetida, a sua sensibilidade.”
Umberto Eco. A definição da arte. Lisboa: Edições 70, 1972. p. 221
Em minha vida profissional considero o contato com a arte contemporânea de fundamental importância para o professor e para o aluno, pois abre a perspectiva de um ensino dinâmico e adequado ao nosso tempo.
Pelo seu caráter não dogmático, a arte contemporânea exige do professor um esforço de entendimento e a disposição para constante revisão de seus próprios padrões estéticos.
Este permanente retomar e refletir faz com que o professor passe a ver a arte como um processo múltiplo e dinâmico em seu todo.
Além disso, o caráter experimental das obras que representam a linha de frente da contemporaneidade, abre permanentemente para o professor novas perspectivas técnicas, formais e de significado, que podem gerar novas abordagens de ensino.
Em relação ao aluno, a arte contemporânea torna mais explícitos os processos do fazer em arte, permitindo que ele estabeleça conexões entre seu próprio processo e os demais processos artísticos. A multiplicidade de modelos impede a adoção de um parâmetro rígido, estimulando nos alunos atitudes de experimentação e pesquisa.
Arte como devir
Esta abordagem sustenta que trabalhar no ensino de arte é utilizar um conceito de arte como devir. É enfatizar a possibilidade de ver a produção da criança, do jovem e do adulto não-artista integrada em um panorama mais amplo, não como um processo reprodutivo, mas sim produtivo.
O ensino da arte é verdadeiramente uma prática inventiva, integrada às diversas formas que exprimem o pensamento contemporâneo: não um ensino da Arte, mas um ensino para a Arte. Experiências para a arte, abertas para o futuro, para o desconhecido.